domingo, 9 de fevereiro de 2014

Cura Xamânica Fora do Tempo e do Espaço

Olga Kharitidi, citada em pelo menos 3 postagens, é uma psiquiatra nascida na antiga União Soviética e que trabalhou em um hospital psiquiátrico público na Sibéria, região onde aliás foi cunhada a palavra xamã. Sua vida mudou radicalmente após o contato com Umai, xamã que foi sua mestra e amiga. Hoje Olga vive e trabalha nos EUA.
Em seu misterioso livro Circulo de Xamãs ela conta os fatos que mudaram a sua vida, na mística região russa de Altai onde se tornou também xamã.
O texto abaixo é uma experiência xamânica de uma cura fora do tempo e do espaço, citada no no livro. O texto em negrito na primeira pessoa, foi retirado de seus diários. Muito mistério.
Os mais atentos vão notar que a frase da xamã Umai no título da postagem acima fala claramente da Presença ocupando o corpo, como dizem Tolle, Castaneda e tantos outros. Os caminhos autênticos são parecidos.
Vamos lá:

"A chuva finalmente parou e as nuvens rapidamente abandonaram o céu, levadas por fortes ventos do leste. Havia um silêncio e uma escuridão quase total do lado de fora da minha janela. Através da porta aberta da sacada, a fresca brisa noturna trazia da rua um aroma agradável de folhas molhadas e asfalto úmido ao meu apartamento.
Apaguei a luz e caminhei até a sacada para uma última olhada no céu noturno. A cidade inteira estava diante de mim, lembrando um gigantesco navio de passageiros com luzes fortes brilhando das escotilhas. Porém, na realidade esta cidade aparentemente vasta e luminosa era só um pequeno fragmento terrestre, suas luzes insignificantes sob milhares de estrelas resplandecentes que piscavam sobre a noite límpida e pacífica.
Subitamente, enquanto eu estava no parapeito da minha estreita sacada, respirando o ar suave e fragrante, uma das estrelas pareceu crescer e brilhar mais do que as outras. Então foi como se o céu fosse rasgado, girando violentamente como se o cone de um gigantesco tornado estivesse se aproximando cada vez mais, preenchendo meu campo de visão.

Sinto um enorme poder desconhecido se aproximando, e sei que estou sendo chamada mais uma vez para outro lugar, para outra época. É tarde demais para escapar ou até mesmo para sentir medo, muito embora a essa altura eu esteja tão acostumada ao "extraordinário" que talvez não ficasse assustada mesmo se houvesse tempo para isso.
Num piscar de olhos, toda a cena muda. No lugar onde um momento antes havia apenas o límpido céu noturno, agora a brilhante luz diurna enche meus olhos. Estou flutuando muito acima do chão, num lugar que nunca vi antes. Minha mente está funcionando de uma maneira diferente agora, como se eu fosse uma nova pessoa, sem lembrança alguma do passado. Não estou com medo algum, apenas consciente e receptiva. Sei que fui trazida a este lugar com uma finalidade. Confio neste conhecimento e espero.
Enquanto me aproximo flutuando do chão, posso ver uma planície verdejante abaixo de mim. A grama tem o verde da primavera, é alta e cheia de vida recém-nascida, ondulando na brisa. Posso sentir a sua fragrância, e esta sensação puramente física me ajuda a deixar de lado outros pensamentos e me deixa centrada aqui.
Subitamente, barulhentas batidas de tambor vindas da minha direita chamam a minha atenção. Meu olfato já me enraizou neste novo lugar, e agora minha audição aprofunda minha conexão com ele. Meu corpo se move facilmente no ar, e me volto para a direita, na direção das batidas de tambor. Nunca poderia imaginar aquela cena diante de mim.
Dez homens, entre vinte e cinco e quarenta anos, cabelos presos em longos rabos-de-cavalo, estão dançando abaixo de mim num círculo. Suas roupas me parecem estranhas, com suaves tons castanhos decorados com padrões geométricos diferentes de qualquer coisa que eu já houvesse visto. O som do tambor é constante, e muito embora os movimentos dos homens sejam graciosos, existe uma inconfundível urgência na sua dança. À medida que me aproximo para olhá-los mais de perto, percebo que há uma mulher deitada no meio do círculo. Os homens se movem e giram dançando ao redor dela, com um ar de grande intensidade nos seus rostos. Não escuto som algum, a não ser as insistentes batidas do tambor.
De início não compreendo por que os homens pareciam tão estranhos para mim, mas à medida que noto mais e mais detalhes, percebo que seus rostos mostram uma consciência e ligação com sua cerimônia que as pessoas do nosso mundo moderno perderam. Compreendo que eles são seres antigos, e que estou experimentando algo que aconteceu há muitos milhares de anos.
Ainda estou flutuando acima do círculo de dança, descendo gradualmente rumo à finalidade da minha vinda. A mulher que é o ponto focal da dança e do batuque torna-se mais visível à medida que eu desço. Sua figura sem vida é incrivelmente bela. A simplicidade do seu vestido cinza-amarelado faz um forte contraste com as jóias elaboradas que enfeitam seu pescoço e corpete. Embora os colares sejam toscamente confeccionados, as jóias que brilham neles são belíssimas. Sei que ela acabou de morrer.
Olho ao meu redor numa tentativa de decifrar o que está acontecendo e o que estou fazendo aqui. Meus olhos são atraídos para uma velha. Ela está sentada numa pequena caixa de madeira próxima a uma estrutura semelhante a um yurt, uma tenda mongol, com um teto pontudo feito de grama trançada. Ela está fumando um cachimbo, movendo os olhos constantemente do círculo de dança para o céu, com sua presença em toda parte ao mesmo tempo. A sua idade física parece próxima a cem anos, mas a sua aparência não tem idade. Sua pele é escura e enrugada, como pergaminho pintado exposto ao sol constante durante muitas vidas. Seus olhos são estreitos, como os de muitos mongóis da atualidade. Eles se estreitam mais ainda enquanto ela traga a fumaça de seu cachimbo.
A sua participação na cerimônia não inclui a movimentação física dos outros. O ritmo de seu corpo é muito mais lento do que o dos dançarinos. Ela respira calmamente, e às vezes levanta a cabeça lentamente para o céu, como se estivesse esperando alguma coisa. No momento em que penso nisso, ela olha diretamente para mim e fico sabendo que me viu. Há um poder no fato de ser reconhecida por essa mulher; e ele cria uma estranha mistura de alegria e medo dentro de mim.
Continuo a flutuar levemente acima do chão. Uma questão se forma em minha mente enquanto sinto a mulher me focalizar e se concentrar em mim. "Quem sou eu, e o que estou fazendo aqui?" Então o ritmo do tambor pára abruptamente, e os homens param de dançar como se fossem um único corpo, eles olham para mim e começam a cantar. A linguagem deles me é desconhecida, mas de algum modo, entre as coisas que gritam reconheço as palavras, "Deusa Branca! A Deusa Branca está aqui!" Não é através de uma compreensão da linguagem deles que reconheço essas palavras. Elas são de algum modo embebidas no meu ser, junto com o olhar penetrante da mulher idosa, que me dá a sensação de ondas me atravessando sem parar.
Minha atenção é subitamente redirecionada para os homens, que se moveram num círculo maior ao redor da bela garota, abrindo espaço para eu descer com facilidade ao lado dela. As suas cabeças estão inclinadas para cima, olhando para mim, e sinto a expectativa deles diante do que está por vir. Nada me surpreende. Se a surpresa estiver por vir, será mais tarde, quando eu me encontrar de pé novamente na minha sacada.
O corpo em que estou flutuando é um enorme corpo feminino, dez vezes o tamanho normal. Branca e sem peso, sou como uma nuvem. Sei do fundo do meu ser que fui trazida aqui para trazer esta mulher morta de volta à vida.
Pouso no chão. Enquanto estendo o braço na direção do corpo dela, toco as espessas tranças negras que emolduram os dois lados do seu rosto moreno e de feições suaves. Posso sentir que, dentro do seu corpo, ela está flutuando em algum tipo de fronteira entre a vida e a morte, e sei que está em meu poder pender a balança para a vida. Tomo o seu tronco exânime nos meus braços e a levanto até que esteja sentada. De algum modo, sei que ela deve ser mantida nesta posição para que o fluxo da vida retorne ao seu corpo. Quando ela for capaz de sentar-se por conta própria, saberei que retornou totalmente.
Minhas mãos começam a se mover ao redor da sua cabeça e seios. Minhas mãos se movem por conta própria, na batida de um antigo ritual, e agora estou consciente de que esses mesmos movimentos e gestos foram feitos há milhares de anos por outros. Os movimentos estão restaurando e equilibrando a sua energia, e quando tudo parece completo, eu a solto. Agora ela retorna lentamente por conta própria, nadando temporariamente entre camadas de inconsciência e de consciência, o seu corpo se curando seguindo um caminho oferecido através de mim por alguma força desconhecida.
Com meu trabalho terminado, sou elevada por uma energia invisível e flutuo novamente acima da cena. Voo cada vez mais alto. No momento em que tudo abaixo de mim se dissolve na distância, vejo novamente os olhos da anciã. Ela ainda está olhando para mim, ainda está fumando o seu cachimbo, totalmente consciente da minha presença e de quem eu sou. Vejo gratidão em seu rosto. No momento de mudança em que tudo se dissolve, reconheço a velha como Umai, minha velha amiga e mestra, em ainda outra manifestação.

Então estou novamente de pé na minha sacada, o céu noturno ainda brilhando diante de mim. A transição entre a minha jornada e o retorno à "realidade", se de fato uma é mais real que a outra, é rápida e completa. Muito embora eu seja uma mulher que vive no moderno século XX, agora aprendi a aceitar essas experiências que já foram tão desconhecidas para mim.
Subitamente, escuto dentro da minha cabeça as palavras, "Essas pessoas viveram em um passado muito distante. Nos seus rituais e cerimônias, executados há muitos milhares de anos, elas sabiam precisamente como ultrapassar as barreiras do espaço e do tempo. Elas podiam alcançar a energia de pessoas vivendo no futuro, e sabiam como integrar essa energia as suas cerimônias."
Lembro-me de como o cone no céu parecia no início da minha jornada e como a minha experiência mudara quando me vi flutuando sobre aquela terra antiga. Ouvi a mesma voz dizer, "Eles sabiam como viajar nas naves de Belovodia", e vislumbro um pequeno ponto de luz movendo-se rapidamente pelo céu escuro. Ele desaparece depois de alguns segundos. Depois do sumiço, continuo a olhar para a miríade de estrelas, entre as quais oculta-se mais um mistério.
Agora a jornada está totalmente acabada, e estou mais uma vez no meu pequeno apartamento no meio da Sibéria. Tudo começou há mais de um ano, quando despertei numa manhã aparentemente normal de inverno e saí para trabalhar, sem saber que toda a minha vida estava prestes a mudar. Lembro-me daquele dia tão claramente como se fosse ontem."

Vale a pena ler o livro.

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