quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Amor e Ódio

A menos que você acesse a frequência consciente da Presença, todos os relacionamentos, principalmente os mais íntimos, vão apresentar defeitos profundos. Durante um tempo eles podem dar a impressão de serem perfeitos, como quando estamos apaixonados, mas, invariavelmente, essa perfeição aparente acaba destruída por discussões, conflitos, insatisfações e até mesmo por violência física e emocional, que passa a acontecer com uma frequência cada vez maior. Parece que a maioria dos "relacionamentos amorosos" não leva muito tempo para se transformar numa relação de amor e ódio.
O amor pode se transformar em agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade, ou num piscar de olhos, em um completo recuo da afeição. Isso é visto como normal. Os relacionamentos oscilam, então, por um tempo, por alguns meses ou anos, entre as polaridades de 'amor' e ódio, e nos trazem muito prazer e muita dor. Não é pouco comum que os casais se tornem viciados nesses ciclos. Este tipo de drama nos faz sentir vivos. Quando o equilíbrio entre as polaridades negativa e positiva é desfeito e os ciclos negativos e destrutivos acontecem com frequência e intensidade crescentes, não demora muito para o relacionamento acabar.
Pode parecer que tudo se resolveria se conseguíssemos eliminar os ciclos negativos e destrutivos, permitindo que o relacionamento florescesse sem problemas, mas isso não é possível. As polaridades são mutuamente interdependentes. Não podemos ter uma sem a outra. A positiva já contém dentro de si a negativa não manifestada. Ambas são, na verdade, aspectos diferentes de um mesmo sistema defeituoso. Estou tratando aqui dos chamados relacionamentos românticos, não do verdadeiro amor, que não possui opositores porque nasce além da mente.  O amor como um estado permanente ainda é raro de encontrar, tão raro quanto a consciência nos seres humanos. Entretanto é possível haver lampejos breves e ilusórios de amor, sempre que existir um espaço nos fluxo da mente.
O lado negativo de um relacionamento é mais facilmente reconhecido como um  defeito ou anormalidade do que o positivo. E é muito mais fácil reconhecer a fonte da negatividade no parceiro do que vê-la em nós mesmos. Ela pode se manifestar de várias formas, tais como possessividade, ciúme, controle, ressentimento, insensibilidade e egocentrismo, cobranças emocionais e manipulação, raiva e violência física, necessidade de ter sempre razão, de discutir, criticar, julgar, culpar, agredir, irritar, ou se vingar, inconscientemente de uma sofrimento do passado imposto por um dos pais.
Pelo lado positivo, há uma paixão pela outra pessoa. No primeiro momento, esse é um estado altamente gratificante. Sentimos que estamos intensamente vivos. Nossa existência passa a ter um significado porque, de repente, alguém precisa de nós, nos deseja, e nos faz sentir especial. Além disso, provocamos as mesmas sensações no outro, o que faz com que os dois se sintam completos. O sentimento pode se tornar tão intenso que o resto do mundo perde o significado.
Você deve ter percebido que existe uma certa dependência nessa intensidade. Ficamos viciados na outra pessoa, que age sobre nós como uma droga. Quando a droga está disponível, nos sentimos muito bem. Mas a possibilidade, mesmo que remota, de que ela não esteja mais ali, disponível para nós, pode levar ao ciúme, à possessividade, a tentativas de manipulação, através de chantagem emocional, culpa ou acusações - o que, no fundo, é o medo da perda. Se a outra pessoa nos abandonar mesmo, pode fazer nascer a mais intensa hostilidade, ou um profundo desespero. Em segundos a ternura amorosa pode dar lugar à agressão selvagem ou um desgosto terrível. Onde é que está o amor agora? Será que o amor pode se transformar no seu oposto em segundos? Será que era amor de verdade ou um vício, uma dependência?

O VÍCIO E A BUSCA DE PLENITUDE
Porque nos viciaríamos na outra pessoa?
O desejo de ter uma relacionamento amoroso é universal porque as pessoas acreditam que a paixão, o "amor", pode libertá-lo do medo, da necessidade e do vazio que fazem parte da condição humanaem seu estado de pecado e não iluminação. Existe uma dimensão física e outra psicológica para esse estado.
No nível físico, é óbvio que não somos um todo, nem jamais seremos. Cade um de nós é homem ou mulher, o que vale dizer, uma metade de um todo. Nesse nível, o desejo de ser completo, de retornar à unidade, se manifesta através da atração entre homem e mulher. É um impulso irresistível de união com a polaridade oposta de energia. A raiz desse impulso físico é espiritual, porque nele está o desejo ardente do fim de  uma dualidade, de um retorno ao estado de completude. A união sexual é o estado mais perto que podemos chegar deste estado no nível físico. Essa é a razão pela qual ela é a experiência mais satisfatória que o nível físico pode nos oferecer. Mas a união sexual não passa de um lampejo breve de plenitude, um instante abençoado. Enquanto ela for vista inconscientemente como um meio de salvação, você a verá como o fim da dualidade no nível da forma, um lugar onde ela não pode ser encontrada. Você tve um lampejo do paraíso, mas não pode ficar ali e se percebe, de novo, em um corpo separado. No nível psicológico, a sensação de falta, de não estar completo, é até maior do que no nível físico. Enquanto houver uma identificação com a mente, o sentido do eu interior é dado pelas coisas externas. Isso significa que você extrai o sentido do que você é de coisas que não tem nada a ver com quem você realmente é, como o seu papel na sociedade, suas propriedades, sua aparência externa, seus sucessos e fracassos, seus sistemas de crenças, etc.
Esse seu eu interior falso, o ego construído pela mente, sente-se vulnerável, inseguro, e está sempre em busca de coisas novas com as quais se identificar, para obter a sensação de que ele existe. Mas nada é suficiente para lhe dar uma satisfação duradoura. O medo permanece. A sensação de falta e de necessidade permanecem. Então acontece aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta para todos os problemas do ego, parece preencher todas as necessidades. Todas aquelas coisas das quais você tinha extraído o sentido do eu interior se tornam relativamente insignificantes. Você tem agora um ponto focal que substitui todos os outros, que dá sentido à sua vida e até define a sua identidade: a pessoa por quem você se "apaixonou". Você não é mais um fragmento isolado em um mundo insensível. Seu mundo tem agora um centro, a pessoa amada. O fato de que o centro está fora de você - , e portanto você tem ainda um sentido do seu eu interior derivado das coisas externas - parece não importar muito num primeiro momento. O que importa aquelas sensações de medo, falta, vazio, insatisfação não estão mais presentes. Ou será que estão? Será que elas desapareceram ou continuam a existir por baixo da aparente felicidade?
Se em seus relacionamentos você vivenciou tanto o "amor" quanto o seu oposto, então é provável que você esteja confundindo o apego do ego e a dependência com o amor. Não se pode amar alguém em um momento e atacar essa pessoa no momento seguinte. O verdadeiro amor não tem oposto. Se o seu "amor" tem oposto, então não é amor, mas  uma grande necessidade do ego de obter um sentido mais profundo  e mais completo do seu eu interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma forma de substituição que o ego encontrou e, por um curto período, ela parece ser mesmo a salvação.
Chega então um momento em que o outro passa a se comportar de um modo que deixa de preencher as nossas necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As sensações de medo, sofrimento e falta, que estavam encobertas pelo "relacionamento amoroso", voltam a parecer. Como acontece com qualquer vício, ficamos muito bem enquanto a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona mais. Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais fortes que antes e passamos a ver o outro como a causa dessas sensações. Isso significa que estamos projetando no outro essas sensações, por isso nós o agredimos com toda a violência que é parte do nosso sofrimento.
Essa agressão pode despertar o sofrimento do outro, que é induzido a contra-atacar. Nesse ponto, o ego ainda está, inconscientemente, esperando que a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a mudar o comportamento, de forma que possa usá-lo de novo, para encobrir o seu sofrimento.
Todo o vício surge de uma recusa inconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos. Todo o vício começa no nosso sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício - álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou mesmo uma pessoa - , ele é um meio que usamos para encobrir o sofrimento. Essa é a razão porque, passada a euforia inicial, existe, tanta infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o sofrimento e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de nós. Todo vício faz isso. Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para nós e, então, sentimos o sofrimento mais forte do que nunca. Essa é a razão pela qual muitas pessoas estão sempre tentando escapar do momento presente e buscando algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que devem encontrar, caso focalizem a atenção no Agora, é o próprio sofrimento que carregam, e é isso o que mais temem. Se ao menos soubessem como, no Agora, é fácil acessar o poder da presença que dissolve o passado e o sofrimento. Se ao menos soubessem como estão perto da própria realidade, como estão perto de Deus.
Evitar se relacionar como uma tentativa de evitar o sofrimento também não é a resposta. O sofrimento está lá, de qualquer jeito. Três relacionamentos infelizes em alguns anos tem mais probabilidade de forçar você acordar que três anos em uma ilha deserta ou trancafiado em seu quarto. Mas, se você pudesse colocar uma presença intensa em sua solidão, isso também funcionaria para você.

Extraído de O Poder do Agora, de Eckhart Tolle

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