domingo, 26 de maio de 2013

Biografias "Malditas" - Paracelso

Este artigo tem  como objetivo, em primeiro lugar, apresentar o perfil psicológico de Paracelso; em segundo lugar, sua contribuição, como médico, para um tipo de medicina à qual ele deu o nome de Medicina Espagírica. O significado pode ser uma medicina que tinha sua fundamentação na Alquimia, pois Espagírica significa um processo de separação: do grego "espao" e de reunir ou integração, do grego, "ageiros", que está relacionado com o termo latino de "coagula et solve". Eles têm o mesmo significado como processo alquímico.
A separação e a integração são processos que se sucedem tanto para ocasionar o isolamento do que Paracelso chamou de essência, que seria o elemento ativo do remédio e assim, conseguir esse elemento ativo na sua maior pureza possível para que também desse modo pudesse ter o maior efeito com o medicamento.
No que se refere à contribuição que Paracelso fez para a Medicina Psicossomática, é evidente que não se trata de uma Medicina Psicossomática tal como a entendemos hoje, na qual o homem é visto como um ser que tem várias dimensões e que essas dimensões não podem ser separadas umas das outras, pois constituem uma estrutura psico-bio-social sempre como uma estrutura integral, total ou, como se costuma chamar mais recentemente, como um processo holístico; como um sistema no qual todas as partes se relacionam e formam uma totalidade que, por sua vez, tem um efeito sobre essas partes.

Paracelso, o homem
Paracelso, cujo nome de batismo foi Theófhilo Bombastus Von Hoheinheim, nasceu em 1493 numa pequena cidade da Suíça, perto de Zurik. Colombo tinha chegado à América em 1492, por isso a infância, a adolescência e a idade adulta de Paracelso estiveram marcadas pelas conseqüências do descobrimento da América que permitiu comprovar na prática a teoria de que a Terra é uma esfera.
Ao mesmo tempo em que se comprovava essa teoria, também se começava a duvidar de conceitos teóricos também antigos que principalmente, dentro da medicina, tinham levado a área médica ao descrédito. Paracelso, que seguia a vertente hipocrática em que se afirma que o semelhante cura o semelhante, se dedica à arte médica espagírica em que, através de processos químicos, ele vai isolando e conseguindo que os princípios ativos de remédios fiquem praticamente puros para que, assim, possam exercer toda a sua ação curativa.
Paracelso viveu relativamente pouco. Aos 27 anos já foi nomeado professor na Faculdade de Medicina de Basiléia. Paracelso, como pessoa, é um iconoclasta, rebelde e criativo. A sua posição contra a medicina de Galeno de Abcena suscitou contra ele uma grande animosidade que determinou sua expulsão de Basiléia.
Isto o levou praticamente a viver como fugitivo durante alguns anos. Paracelso era um homem sumamente orgulhoso, altivo e de uma grande auto-suficiência. Tinha consciência do seu profundo saber em relação à medicina e também do seu profundo conhecimento da alquimia; por isso assumia atitudes que, para essa época, eram totalmente novas, inovadoras e, por isso, perturbava as expectativas das pessoas que o conheciam e, principalmente, dos seus alunos da Universidade.
Nunca foi dar aulas com a vestimenta característica dos doutores da universidade. Ia com roupas comuns muitas vezes manchadas pelas substâncias que utilizava nas suas experiências químicas. Não usava o latim para dar aulas; dava as aulas em alemão, misturado, muitas vezes, com expressões latinas. Seus discípulos na Universidade consideravam isso totalmente fora do padrão que esperavam de um doutor de Medicina. Essa atitude inconformista de Paracelso o levou ao radicalismo de queimar numa fogueira de S. João, de forma simbólica, os livros de Galeno de Abcena. Isto na presença de alunos da Medicina, que estavam em volta da fogueira comemorando a data.
Esta atitude naturalmente aumentou a apreensão e o receio que os alunos de Medicina tinham do Prof. Paracelso.
Diríamos que Paracelso, como pessoa, era um bom representante, um chamado tipo "uraniano", ou seja, uma pessoa excêntrica com relâmpagos de intuição e genialidade que desafia as convenções pelo excessivo sentimento de auto-suficiência.

Paracelso e a Medicina Espagírica
Paracelso fundamentou sua medicina sob 4 bases: a Filosofia, a Astrologia, a Alquimia, à qual ele deu o nome de Espagírica, e a virtude. Paracelso aprendeu a Medicina com seu pai que também era médico; estudou profundamente a cabala hebraica e aprofundou seus conhecimentos de química, trabalhando alguns anos numa mina. Como cirurgião militar, participou das guerras na Itália e nos países baixos.
Na sua atividade médica foi logo ficando famoso por realizar curas extraordinárias, como por exemplo, salvou a perna de Frobenius da amputação pelos médicos que tratavam dele e que já tinham decidido a retirada do órgão.
Pelo fato de Paracelso viver apenas 48 anos, a maior parte de seus livros foram publicados após sua morte. A divulgação dos livros determinou o aparecimento de muitos seguidores de sua arte médica, que se autodenominaram Paracelsianos e, assim, deram continuidade à Medicina Espagírica.
Como bom alquimista, Paracelso escrevia seus livros com o propósito de confundir aqueles que não estavam já iniciados com a terminologia de sua arte médica. Isto chegou a tal ponto que houve necessidade de publicar dois dicionários para esclarecer os significados dos termos usados por Paracelso.
Paracelso considerava que o homem é um pequeno mundo e tem seu céu, sua água, seu ar e sua terra, e é o equilíbrio entre esses elementos que formam o homem que determina a saúde e, por conseguinte, o desequilíbrio leva à doença. Esse mundo humano microcósmico está em relação com o macrocosmos, e essa relação entre o micro e o macrocosmos é sustentada por uma ënergia à qual ele dá o nome enigmático de "m". Essa letra "m", em hebraico "mem", deve ter sido utilizada por Paracelso por ser a letra inicial de Mercúrio e Magnéticos.
Esse mercúrio, princípio energia universal, se aprisionado pelo alquimista lhe permitiria ser o dono da transmutação. Esse "mem" encerra um grande segredo. Segundo Paracelso: "sabeis que existe ainda uma grande coisa que sustenta o corpo e o conserva em vida. Por "mem" vive o firmamento. Sem ele o firmamento pereceria. Chamamos "m" porque nada no universo foi constituído acima desta coisa. Nada é mais digno da compreensão humana que esse princípio "mem". Este "m" conserva todas as criaturas. Na Terra, todos os seres vivem nessa coisa e dela."

A etiologia das doenças segundo Paracelso
De acordo com Paracelso, são cinco entidades mórbidas das quais, pelo menos uma, é causa das doenças: causa astral, causa venenosa, natural, causa espiritual e causa divina.
Cada uma delas pode produzir qualquer doença. Por exemplo, as cinco icterícias serão tratadas com cinco modos diferentes de tratamento.
A causa astral, segundo Paracelso, é diferente da crença mantida na Idade Média, quando se considerava que os sete astros da Antigüidade constituíam diferentes causas mórbidas. Segundo Paracelso, a ação dos astros sobre o corpo humano não é direta; é uma ação indireta, pois no corpo humano temos sete órgãos que correspondem aos sete planetas. A ação maléfica do planeta vai primeiro num órgão correspondente para depois aparecer como doença.
O princípio "m" estaria entre as astros e os órgãos correspondentes.
A segunda causa, a venenosa, provém da alimentação: todo alimento, mesmo sendo benéfico, contém veneno para quem o utiliza.
Paracelso postula "um alquimista interior" que começaria sua ação no estômago para "solver e coagular" os alimentos, separando os venenos dos nutrientes.
Paracelso afirma: "Nosso corpo foi nos dado livre de venenos; uma coisa que não é veneno torna-se veneno para nós. Temos no corpo um alquimista interior colocado por Deus. Assim, separamos o veneno do alimento salutar, para que não soframos. Em todas as coisas, sejam elas quais forem sempre existe simultaneamente a essência e o veneno. A essência é o que sustenta o homem. O veneno, pelo contrário, o que derruba pelas doenças. Se o alquimista interior é fraco ou está debilitado, não consegue fazer a separação entre o veneno e o alimento salutar, aparece, então a putrefação, que é sinal da doença.
A terceira entidade mórbida causadora das doenças é a causa natural que é tudo que afeta ou desarranja o curso natural dos astros corporais. A correspondência entre os sete planetas e os sete órgãos do corpo é: a Lua corresponde ao cérebro, o Sol ao coração; Mercúrio aos pulmões; Marte, estômago; Júpiter, fígado; Vênus, rins; Saturno, baço.
Os astros no microcosmos se conduzem em relação uns com os outros, tal qual o macrocosmos. Da mesma forma que a lua reflete a luz do Sol, o cérebro, centro intelectual, reflete a luz do coração, centro emotivo.
Nesta afirmação de Paracelso, pode-se perceber o embrião de uma abordagem sistêmica, ou seja, de uma "rede de relações".
Os órgãos correspondentes aos planetas interagem entre si assim como fazem também os próprios planetas.
Enquadra-se a que Paracelso dentro da Medicina Psicossomática quando coloca a inter-relação entre o físico e o emocional, entre o intelectual e o emocional.
Cada órgão tem seu destino bem estabelecido, a sua evolução própria. Se um órgão se extravia e penetra na função de outro, determina o aparecimento de doenças. Inversamente, o Sol é o coração do macrocosmos, a Lua seu cérebro e existe na Terra minerais correspondentes aos sete órgãos planetários. Ouro, Sol, coração; prata, Lua, cérebro; Mercúrio, pulmões, mercúrio; Júpiter, estanho, fígado; Vênus, rins, cobre; Marte, estômago, ferro; Saturno, baço, chumbo. O que provém do coração do macrocosmos reconforta o coração do homem tal como acontece com o ouro.

A causa espiritual
A causa espiritual é uma potência vinda do espírito que atinge todo o físico. Quando o espírito sofre, o corpo sofre também. Este conceito de Paracelso está em conformidade com o princípio da Medicina Psicossomática atual.
O espírito, para Paracelso, não é nem a alma nem a inteligência, mas o homem invisível que encerra a aparência humana visível.
Diríamos hoje: é um corpo eletromagnético que age sobre o corpo físico.
Os espíritos comunicam-se entre si através dos próprios corpos e podem infligir-se mutuamente grandes danos capazes de torná-los doentes. Os enfeitiçamentos mostram essa possibilidade de ação sobre o espírito.
Paracelso explica a possibilidade da feitiçaria pela comunicação entre corpos eletromagnéticos. No caso da feitiçaria, estaria se recebendo ou lançando sobre outros corpos eletromagnéticos vibrações extremamente negativas.

Causa divina
A quinta causa das doenças vem de Deus. Tem o caráter de castigo. Nessa categoria, "toda doença é um purgatório", o que foi retomado por homeopatas no século XIX, que afirmam que a doença vem do pecado original. Quando a causa da doença vem de Deus, a doença só é curada quando a prova prescrita por Deus fica terminada.
Para denominar os três modos diferentes de ação na natureza, o modo cardinal é chamado enxofre; o modo fixo, sal e o modo mutável, mercúrio, que é um metal líquido que altera com muita facilidade a sua forma. O sal, para Paracelso, é o princípio mantenedor das formas no Universo. O enxofre é o princípio veiculador do movimento, do calor e a base do movimento.
O mercúrio é o princípio aumentativo, modificador, ligado, portanto, ao mutável. Paracelso afirma "é necessário administrar mercúrio às doenças que provém de mercúrio; sal às doenças que provém do sal e enxofre às doenças provenientes do enxofre, quer dizer a cada doença o tratamento adequado como convém. É necessário saber qual tipo de enxofre, sal ou mercúrio para tratar determinada doença."
A etiologia das doenças não é única. Pode uma doença provir do sal e do enxofre como também do sal, enxofre e mercúrio. A postulação de Paracelso que o igual cura o igual antecipa o princípio homeopático de Hannemann: "o semelhante cura o semelhante". O postulado de Paracelso deixa claro que além de ter criado a Medicina Espagírica, lançou também os fundamentos da Medicina Homeopática.
Além das cinco causas das doenças e das três modalidades de ação, Paracelso afirma que existe uma medicina masculina e outra medicina feminina, que o funcionamento do corpo masculino é muito diferente do feminino.
"As doenças das mulheres lhes são próprias. Todas as doenças da mulher são formadas e dadas pela matriz. Enquanto o homem é o microcosmos médio, a mulher é um microcosmos menor encerrado na matriz, refletindo esse microcosmos feminino, o microcosmos médio do homem, que por sua vez, reflete o macrocosmos. A matriz é o ser da mulher e há um cérebro feminino, um coração feminino nada idêntido ao do homem. No entanto, há doenças femininas que provêm do homem, que deverão ser tratadas de forma igual a que são tratadas nos homens. As jovens são herdeiras das doenças do pai."
Paracelso atribui também como causas de doenças a imaginação e a fé, só que rompe com o conceito popular que atribui aos santos o poder de cura.
Ele diz que se uma doença é curada pela fé é porque ela é ocasionada pelo mau uso da fé.
Em relação à cirurgia e ao conhecimento da anatomia humana, Paracelso tem uma conceituação que é extremamente atual. Ele achava que os anatomistas que pretendiam saber a anatomia trabalhando com cadáveres estavam perdendo seu tempo. Eles estavam fazendo uma anatomia da morte e não uma anatomia da vida.
Os cirurgiões que dissecam cadáveres não podem saber como os órgãos funcionam, como também não poderão saber como é o homem vivo. Deve-se observar o homem vivo e conhecer as suas reações, pois a base da ciência médica é a anatomia da vida. Observando-se o corpo humano desta maneira percebe-se que ele contém um bálsamo essencial: a múmia.
O princípio curador do ser humano está na carne, nos ossos, no sangue, ou seja, em todo o organismo. A múmia dos ossos cura os ossos partidos, a múmia da carne cura as chagas. Assim sendo, cada parte do corpo humano contém o princípio de cura. Esse princípio de cura seria um médico natural que existe em todo ser humano, que resolve os transtornos que acontecem no corpo. Por isso, o cirurgião deve se lembrar que não é ele que cura as chagas, é o princípio essencial que realiza a cura.
A múmia é o princípio onipresente da cicatrização e corresponde ao que os antigos chamavam de espírito do sangue.
Pode-se fazer um paralelo entre a múmia de Paracelso com o princípio de vida de Hipócrates e o princípio vital de Hannemann.
De sua experiência como cirurgião e movido também pela necessidade de diminuir o sofrimento dos feridos e baseando-se em seus conhecimentos da alquimia e química, Paracelso chegou a produzir em laboratório o éter sulfúrico e a partir dele foi usado como anestésico.
Também produziu em laboratório o cloreto de etilo com a mesma finalidade anestésica. Na farmacopéia de Paracelso, encontramos ao lado de grandes remédios, como os anestésicos acima mencionados e de remédios para hemorragias, usando compostos de ferro, também meios de cura que hoje em dia seriam considerados mera superstição. Colocava sapos vivos em cima de doenças da pele. Usava também a medicina simpática que consistia em tratar à distância os ferimentos usando um pano que tinha sangue do doente e mergulhava esse pano em uma solução com remédio.
Também preconizou o uso do musgo que crescia em crânios humanos para combater infecções. Com bastante benevolência, podemos entender isso como uma premonição do uso da penicilina. Possuía Paracelso uma farmacopéia secreta dando a esses remédios o nome de "arcana maiora" que, segundo ele, conseguiriam uma cura definitiva de certas doenças. Ao lado desses remédios de grande poder curativo, tinha também remédios que só conseguia deter a evolução das doenças.
Na elaboração dos remédios, Paracelso usava o processo químico de separar e reunir e, através de operações sucessivas, ele chegava a separar o princípio medicamentoso do vegetal.
Conhecia também Paracelso a Teoria das Assinaturas, que permite saber quais são os vegetais que estão em ressonância com determinados planetas do macrocosmos e, assim, poder usar esses vegetais na composição de medicamentos. As assinaturas, portanto, são formas adquiridas por vegetais e animais pela ressonância vibratória com as vibrações planetárias. No que se refere aos minerais, existem correspondências desde a Antigüidade com sete metais, como foi colocado antes. A correspondência planetas-metais foi usada no séc. XX por Rudolf Steiner na sua medicina antroposófica.
Embora Paracelso tivesse características pessoais que dificultavam o seu relacionamento com outras pessoas por causa de sua excentricidade e sarcasmos, conseguiu ter um grande grupo de seguidores na sua vida e, mesmo depois de sua morte, grandes médicos continuaram sua Medicina Espagírica. Podemos citar, entre eles, José Duchen, Robert Fludd e João Batista van Helmotz que nascido em Bruxelas, foi médico, físico, adquirindo um saber enciclopédico.

Bibliografia:
"PARACELSO. Oeuvres médico-chimiques ou paradoxes". Liber Paramirum I-II. Italie. Sebastiani. 1975
Postagem extraida de "Paracelso e sua contribução para a psicossomática" de  Nestor Efraim Rojas Boccalandro, Psicólogo, Psicoterapeuta. Especialista e Doutor em Psicologia Clínica. Doutor Associado da PUC/SP.

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