domingo, 27 de fevereiro de 2011

O pânico, a cura, o mestre

Nascido em 1975, em Nubri, Nepal, Yongey Mingyur Rinpoche é uma estrela em ascenção da nova geração de mestres do budismo tibetano treinados fora do Tibet.
Aos 3 anos, foi formalmente reconhecido pelo 6º Karmapa como a sétima encarnação de Yongey Mingyur Rinpoche, um estudioso e adepto da meditação do século XVII conhecido como o mestre de métodos avançados da prática budista.
(Nota: Os Karmapas, seres que podem olhar simultaneamente para tudo no passado, presente e futuro, da mesma forma como nós olhamos para algo na palma de nossa mão, são uma linhagem de encarnações de mestres da qual o 6º, Thongwa Donden, também músico, foi o responsável pela sistematização da prática litúrgica Karma Kagyu usada nos rituais)
Vale notar que a palavra Rinpoche - que pode ser traduzida do tibetano como “Precioso” – é um título vinculado ao nome de um grande mestre, similar à forma como o título PhD é agregado a um ocidental considerado especialista em várias áreas do conhecimento.


A entrevista

- O senhor praticava meditação antes de receber treinamento formal?

YMR – Sim. Eu tentava praticar embora não tivesse idéia do que era meditação. Às vezes eu entrava na gruta e fazia de conta que meditava, e minha avó ficou muito apreensiva, pois um dia achou que eu tinha me perdido. Ela pediu para as pessoas me procurarem, e finalmente ela me achou na gruta e disse “Uh! Não faça isso de novo!”, mas, (risos) eu fiz mesmo assim e então ela aceitou e disse: “Se você for para essa gruta, tudo bem”. Então eu tinha permissão da minha avó e da minha mãe. Um dia eu estava sentado lá e fingia meditar - eu não tinha idéia de o que era meditação – mas havia aquele mantra “Om Mani Padme Hum”, todos usam esse mantra em nossa aldeia. Nós os chamamos de mantra da compaixão, o mantra da sabedoria da compaixão. (Nota: esse mantra é muito reverenciado pelos seguidores do atual  14º Dalai Lama. Apesar de afirmarem que não tem uma tradução só, afirma-se que significa “Recebemos a jóia da consciência divina, no centro do nosso chakra da coroa”).
E pensei “talvez eu deva dizer isso mentalmente enquanto estiver na gruta.” E fiz isso. E me senti bem melhor . Quando eu tinha 9 anos, pedi a meu pai, que era um grande mestre de meditação - mas eu era tímido para pedir diretamente - pedi à minha mãe para me ajudar a pedir ao meu pai, para me ensinar meditação, e ele aceitou. E a minha primeira pergunta foi: “recitar Om Mani Padme Hum mentalmente é meditar ou não?”  Meu pai disse sim. E eu fiquei tão feliz. (risos)

- O senhor ficou feliz por agradar seu pai?

YMR – Fiquei feliz porque eu estava fazendo certo. Isso é uma meditação.


- E qual era a sua idade?
YMR – Eu tinha 9 anos, mas... mas embora eu idealizasse meditar - era curioso quanto à meditação – mas eu tinha ataques de pânico quando eu tinha por volta de 8 anos. Eu desenvolvi pânico, mesmo tendo uma família amorosa, um bom ambiente, mas...o pânico me seguia como uma sombra. Às vezes no inverno temos tempestade, tempestades de neve, e muitas coisas acontecem. Eu tinha medo de desastres naturais, medo de trovões, raios, muitos medos. Às vezes não conseguia dormir. Mas comecei a buscar uma solução para o meu pânico. Então aos 9 anos aprendi meditação com o meu pai, para lidar com o pânico. Recebi instruções maravilhosas, mas não praticava muito. Era um menino preguiçoso. Aos 11 anos mudei para o norte da Ìndia, um local chamado Sherab Ling, um local muito bonito perto de Dharamsala, a residência de S. S. Dalai Lama, a duas horas de Dharamsala, uma estrada esburacada, o que é muito bom para o corpo... exercício gratuito! Sabe aquela poltrona de massagem do aeroporto? Em que a gente coloca um pouco de dinheiro? A estrada esburacada é melhor, é de graça (risos). Então...eu estava em Sherab Ling, e quando tinha 13 anos, estava para começar lá um retiro de 3 anos. Um retiro de meditação. Eu quis muito participar do retiro... mas fiquei tímido para pedir, e pedi ao meu pai, para solicitar a Sua Eminência Tai Situ Rinpoche, o chefe do nosso monastério, para aceitar a minha adesão ao retiro, e meu pai escreveu uma carta solicitando. E Rinpoche me perguntou “você quer mesmo participar? Tem certeza?” E eu disse sim. E ele me aceitou, e tive a oportunidade de participar do retiro de 3 anos. E no primeiro ano de retiro meu pânico piorou. Ficou mais forte. Então eu pensei “Hmm”... Eu era muito infeliz naquele tempo, mas eu ainda tinha 2 anos pela frente. Pensei “Uau, ainda tenho 2 anos! Você quer mesmo passar 2 anos desse jeito? Ou você quer aplicar técnicas de meditação para os ataques de pânico?” E decidi aplicar técnicas de meditação para o meu pânico. E então eu disse para o meu pânico “Olá”, pois normalmente descobri que existem dois modos de o pânico piorar e ficar mais forte. Primeiro, você segue o seu pânico. Você só diz “Sim Senhor” e você acredita no pânico, e em qualquer mensagem que venha do pânico. Você apenas acredita que o mundo é terrível, cheio de problemas. Desse modo o pânico se torna seu chefe, e você se torna escravo do pânico. O segundo problema, é que você não gosta do pânico. Você odeia o pânico... “Êi pânico, saia daí!” E você tenta bloquear o pânico. Você tem pânico do pânico! Tem medo do pânico. Às vezes o medo do pânico é mais forte do que o pânico. E assim o pânico se torna seu inimigo. O que eu descobri é que podemos nos tornar amigos do pânico. E como? Diga “olá!" para ele. Então uso o meu pânico como objeto de meditação. E o pânico se transforma numa meditação. Quando olho para o pânico, ele parece uma bolha, como espuma de barba, sabe? Cheia de bolhas por dentro, mas quando se olha mais fundo, o pânico perde o sentido e se torna uma percepção consciente... espaços...experiência para além da palavra, além dos conceitos. E o pânico passou. Fiquei sentado em meu quarto durante 3 dias, para usar o pânico como objeto de meditação, e depois de 3 dias o pânico passou totalmente. Desde então nunca mais tive pânico. Mas ainda me sinto muito feliz em relação ao meu pânico. Penso que meu pânico é um de meus mestres importantes. Ainda sou agradecido ao meu pânico. Aprendi muita coisa a respeito do meu pânico. Por causa dele estou aqui, e escrevi dois livros: A Alegria de Viver, e o mais novo Joyful Wisdom (Sabedoria Alegre), e nesses livros compartilho a minha experiência com o pânico e como lidar com ele, como transformá-lo. E não somente o pânico. Você pode usar para qualquer outra emoção, depressão, perda de autoestima, raiva, e assim por diante...

Essa postagem foi transcrita, com algumas adaptações, de uma entrevista alegre e despretensiosa concedida pelo jovem mestre Yongey Mingyur Rinpoche e registrada em video, apresentado no site http://vimeo.com/19875915 por Helio Biesemeyer


domingo, 20 de fevereiro de 2011

Brasileira entrevista Castaneda - 1996

Castaneda, Luz e Sombra

No final dos anos 60, surgiu o livro “A Erva do Diabo” (original -The Teachings of Don Juan). Puro xamanismo tolteca, foi escrito por Carlos Castaneda, um latino, estudante de Antropologia da UCLA – Universidade da California em Los Angeles. Ele foi pesquisar plantas de poder in loco e foi “fisgado” por um universo mágico, onde, o “brujo” Dom Juan, um índio yaqui de Sonora, México, lhe transmitiu um estranho ensinamento milenar sobre o homem e o universo. Tudo indica que D. Juan já “o esperava há anos” para encerrar uma linhagem milenar de xamãs e divulgar o segredo da tradição para o grande público, e a importância desse caminho de busca interior. Cartas marcadas pelos mistérios do Invisível.
Os livros venderam milhares de cópias, tornando-o famoso, mas o ensinamento, que seguiu à risca, previa uma disciplina contra a auto importancia (ego): apagar a sua história pessoal, fugir da mídia, não usufruir a fama, abandonar as rotinas de vida, não se expor. Por isso suas poucas entrevistas, como essa, são valiosas. A mídia americana, após endeusá-lo, não o perdoou por isso, e contribuiu juntamente com o FBI para apagá-lo persistentemente quando a juventude da época passou equivocadamente a considerá-lo, à sua revelia, como mais um ícone do movimento hippie de libertação, drogas e rock’n roll.
Castaneda seguiu à risca as orientações lançando cada vez mais sombra sobre a sua escassa biografia, embaralhando os dados da sua história.
Segundo reportagem da revista Time de 1973, Carlos Cesar Araña, seu verdadeiro nome, teria entrado nos Estados Unidos em 1951. E vinha da América Latina, nascido em Cajamarca no Perú em 1925, o que dá uma diferença de dez anos em sua incerta idade. Seu pai não seria um acadêmico como afirmava, mas um relojoeiro artesão chamado Cesar Araña Burungaray. Sua mãe Susana Castaneda Navoa teria morrido não quando ele tinha 6 anos, mas quando tinha 25.
Na entrevista que Castaneda concedeu a Patricia Aguirre, buscadora incansável dos ensinamentos de D. Juan, publicada  em 1996 na revista Mais Vida da EditoraTres, ele conta porém,  que ele nasceu no Brasil, em Juqueri (Cajamar), cidade próxima a São Paulo, em 1935. Patrícia checou se existe algum registro de seu nascimento na Comarca de Franco da Rocha, atual nome da cidade, e descobriu que até o destino parece conspirar a  favor do segredo: uma inundação apagou todo e qualquer vestígio de quem nasceu nessa cidade antes de 1949. Há outras poucas entrevistas que oportunamente publicaremos.
Questionar sobre a veracidade da minha vida, citando datas e registros, rouba a magia do mundo e afasta os marcos de todos nós”, alerta ele.

O curso desse aprendizado foi se transformando em 12 livros com muitos milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Carlos Castaneda tornou-se então um novo “nagual” (termo que define a função do xamã junto a seus iniciados) na linhagem de Dom Juan.
Sempre envolto em mistério, Castaneda desapareceu em meados dos anos 70. Seu contato com o mundo se dava apenas pelos livros, sendo que “A Arte do Sonhar”de 1993, saiu após 6 anos de um longo silêncio.
No entanto em 95, voltou à tona realizando workshops para transmitir o conhecimento adquirido pela longa e intensa convivência com o feiticeiro Dom Juan. Foi no seminário  realizado na Universidade de Los Angeles onde o “nagual” Castaneda estudou antropologia que minha amiga Patricia o entrevistou. Patricia relata que com extrema leveza e grande senso de humor, ele não parecia preocupado em vender imagem de guru nem de santo. Mas, coerente com uma as premissas dos ensinamentos que recebeu do xamã Dom Juan, fez questão de apagar a sua história pessoal, mantendo fora de alcance a sua vida privada. Mesmo assim conseguimos confirmar que, sim, o misterioso xamã e antropólogo, segundo o que disse, nasceu mesmo no Brasil.

A entrevista:

Patrícia Aguirre – Existem referências contraditórias sobre o local de seu nascimento, se foi no Perú ou no Brasil...
Carlos CastanedaEu nasci no Brasil, Em São Paulo, numa cidade chamada Juqueri. Por causa do sanatório mudaram o nome da cidade, que hoje se chama Branco da Rocha (corrijo o Branco para Franco, mas ele continua, sem dar muita importância). Perguntas desse tipo dão uma importância desmedida ao homem. Além do mais, Carlos Castaneda não existe. Dom Juan limpou tudo o que havia do homem Carlos, deixando-o apenas como o “possuidor” de um conhecimento. A capa não tem significado. A única coisa que interessa são as credenciais para a viagem em direção ao infinito e os dados vitais necessários: tripas de aço e culhões.
PA – O senhor permaneceu inacessível durante anos. Porque resolveu mudar essa condição e dar workshops?
CC – Não é mais possível um grupo se perpetuar em termos tradicionais. Não é mais possível ensinar um a um. Além do que nós somos o último elo de uma linhagem. É como se a fechássemos com cadeado. Como o próprio Dom Juan dizia, eu não tenho a mesma configuração energética que ele tinha, portanto tem que ser diferente. Ele também falava da fluidez, condição essencial do mundo. Nada no mundo do feiticeiro é permanente, assim como no nosso cotidiano também não o é, apesar de insistirmos em fixá-lo. Não podemos simplesmente ir embora com todo esse conhecimento. Acreditamos ter pouco tempo aqui e resolvemos assumir a responsabilidade de passar adiante tudo o que aprendemos, sem restrição, e a forma que encontramos é esta: grandes workshops públicos.
PA – No que os ensinamentos de Dom Juan diferem dos movimentos espiritualistas?
CC – Na força de seus atos. Nós não somos espiritualistas, somos extremamente práticos. Estamos interessados em tudo o que se refere à energia. Se, em última hipótese, somos energia, tratemos desta. Não estamos interessados em buscar Deus, os santos, a pureza...Aliás, no fundo, ninguém está realmente interessado em buscar, ou melhor, em fazer o básico – encontrar a liberdade total.
PA – E o que é a liberdade total?
CC – É a consciência de “ser” do homem, o existir livre dos conceitos, da cultura e do social. A liberdade é o lado sublime do homem. Os xamãs dizem que só há tempo de viver para a liberdade, pois somos seres a caminho da morte. A energia é irredutível e é com ela que temos que tratar. Somos seres temporais. Que falta de sinceridade conosco mesmos quando atuamos como se fôssemos seres imortais. Que pobreza de espírito a nossa.
PA – O que significa estar livre de conceitos?
CC – Os xamãs dizem que o “eu” não é o homem, e que existe algo de muito estranho em nós, como se esse mental, ou “eu” que discursa, fosse algo alheio ao indivíduo. Todos os nossos comandos são baseados em conceitos... Por exemplo dizer “eu te amo” é puro conceito. Os feiticeiros se definam como navegadores no mar do desconhecido. Para eles navegar é uma coisa prática, e navegar significa mover-se de um mundo pra outro, sem perder a sobriedade nem a força. Para alcançar essa realização não pode haver procedimentos ou passos a serem seguidos, mas apenas um ato que define tudo: o ato de reforçar o elo com a força que permeia todo o universo, uma força que os feiticeiros chamam de Intento. O homem era um ser que viajava. A consciência era a sua grande arma. Mas isso foi se perdendo e o brilho intenso da sua consciência ficou na altura dos calcanhares. Agora é só isso o que temos, e nesse lugar há um ponto em que estamos fixados... Esse é o eu (Nota: é o que chamamos de ego). Aqui ficamos todos, inclusive os homens religiosos. É só o que conseguimos enxergar, o nosso próprio reflexo. Por não usarmos a nossa própria consciência, agora só temos os valores sociais e os prazeres comuns que a sociedade nos proporciona, e que não levam a nada. A vida só é excitante quando atuamos frente a frente ao nosso encontro final, a morte.
PA- Estar presente no dia-a-dia, e não viver em função de um futuro, não seria uma postura desejável para os nossos dias?
CC – Estar de fato presente no dia-a-dia só é possível quando você sabe que não é um ser imortal. Quando assume a responsabilidade de que vai morrer, tudo muda. O guerreiro que tem a consciência da sua morte, tem consciência da armadilha social em que se encontra, da armadilha da auto-importância.
PA – Esse é um caminho espiritual, uma busca de Deus?
CC - Para um feiticeiro não existe um Deus, na concepção usual que se tem dele. A idéia de Deus é renascentista, é a idéia de Leonardo da Vinci, de Michelângelo... Leonardo da Vinci o desenha com a sua visão de italiano, de florentino – um Deus muito bonito, bem-cuidado, de barba aparada...O que é Deus para um bruxo? É o infinito, não pode ser representado, e também não é amigável. Para “Ele” nós não temos a menor importância. É a nossa arrogância que nos transforma em imagens de Deus. E as perguntas que realmente interessam nunca são feitas.
PA - E que perguntas são essas?
CC – Porque essa insistência terrível com o “eu”? Essa é a única preocupação que existe. Eu, eu e mais eu. Essa homogeneidade entre os humanos não é estranha? Independente da origem étnica, cultural, os seres humanos tem as mesmas reações egóicas. Essa não é uma questão interessante? De que “eu” estamos falando , se somos tão iguais? Que individualidade é essa, se não existem diferenças entre nós?
PA – Como podemos recuperar a consciência para enxergar além do próprio reflexo?
CC – É necessário restaurar nossa energia. Aumentá-la para gerar mais calma, eficiência e propósito. Dom Juan dizia que um dos maiores males da nossa civilização é a falta de propósito, de meta e a incapacidade de tomar decisões. Gastamos energia nos defendendo. Nossa auto importância é tamanha que direcionamos toda a nossa energia para defender o conceito que temos de nós mesmos! E nem percebemos que funcionamos assim!
PA – O senhor afirma que dizer “eu te amo” é puro conceito. Como então expressar afetos verdadeiros?
CC – As pessoas não sabem amar, buscam sempre o auto-reflexo. Mas o nosso verdadeiro ser, sim, pode sentir amor.
PA – O que é o amor para um bruxo?
CC – É o ato de sentir afeto por outra pessoa, ou por uma abstração, com a liberdade, sem limitações. Porém sentir tal afeto sem transformá-lo em investimento, senti-lo sem esperar recompensa. Dom Juan dizia que os bruxos de sua linhagem presenteavam seu amor a quem desejassem e que jamais esperavam algo em troca. Essa condição de afeto total, dado sem nenhum interesse, pode ser aplicada não somente a seres viventes, mas também a situações abstratas. A isso Dom Juan chamava de “Caminho com Coração”: enfocar o afeto total a algo que não é pessoal.
PA - Existe hoje algo autêntico em termos de caminho espiritual?
CC – Dom Juan me incitou a procurar gurus para ver se eram autênticos. Talvez eu os tenha procurado mal, mas não encontrei.Como é possível um mestre permitir a idolatria, permitir que seus objetos se tornem “santificados”, que sua cadeira se transforme em algo sagrado? Não, não encontrei nada real. Esses gurus são tiranos do mundo. 
PA – O senhor combate a idéia do guru e da procura do homem pelo conhecimento fora de si mesmo. Mas o xamã ou o nagual não teriam essa mesma função: ser um guia espiritual para a sua gente?
CC – Dom Juan não era um mestre. Era um feiticeiro transmitindo conhecimento a seus discípulos para a continuação de sua linhagem. Como essa linhagem chega ao fim, ele mesmo me aconselhou a escrever sobre o conhecimento. É passar o mapa para a frente. Os feiticeiro dizem que o único mestre possível, ou guia que podemos ter, é o Espírito, significando uma força abstrata e impessoal que permeia o universo. É através do silêncio interior que podemos alcançar essa força. Por isso, o único elo ou ligação que devemos ter, é com essa força, não com uma pessoa.
PA – O senhor contou durante o workshop que ficou muito doente e quase morreu...
CC – Para mim não é mais possível morrer como meu avô. Partir sozinho é a derrota de um bruxo. Por quê? Porque não tem paixão. O triunfo é ir com minhas três companheiras (Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar, que também foram instruídas por Dom Juan).
PA – O que é a morte para um xamã?
CC – A boa morte para um xamã é partir com a consciência total, inclusive levando seu corpo físico, e não deixando rastro. É como passar de um mundo para outro atravessando uma brecha. (foi assim que, de acordo com o relato de Castaneda, partiram os 15 integrantes do grupo de Dom Juan – e, segundo os mayas e egípcios, muitos dos seus ancestrais)

Nota: A obra completa de Castaneda e seus discípulos Florinda Donner-Grau, Taisha Abelar, e Armando Torres está listada nesse blog em “Nossos bons livros"

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O ovo

Você estava a caminho de casa quando morreu.
Foi um acidente de carro. Nada de muito notável, mas ainda assim fatal. Você deixou para trás uma esposa e dois filhos. Foi uma morte indolor. Os paramédicos tentaram de tudo para salvá-lo, mas não adiantou. Seu corpo estava tão profundamente abalado que foi melhor assim, confie em mim. E isso foi quando você me conheceu.
"O que ... o que aconteceu?" Você perguntou. "Onde estou?"
Você morreu, eu disse com naturalidade, sem meias palavras.
"Foi um ... um caminhão, e foi derrapando ..."
Sim, eu disse.
"Eu ... eu morri?"
Siiiim. Mas não sinta-se mal por isso. Todo mundo morre, eu disse.
Você olhou em volta. Não tinha nada. Só você e eu.
"Que lugar é esse?" Você perguntou. "Esta é a vida após a morte?"
"Mais ou menos", disse eu.
"Você é Deus?" Você perguntou.
Sim, respondi. Eu sou Deus.
"Meus filhos ... minha esposa", você disse. "E eles?" "Será que eles vão ficar bem?"
Isso é o que eu gosto de ver", disse eu. Você acabou de morrer e sua principal preocupação é para sua família. Há coisa boa, aí.
Você me olhou com fascínio. Para você, eu não olhava como Deus. Eu parecia um homem. Ou, eventualmente, uma mulher. Alguma figura de autoridade vaga, talvez. Mais de um professor de colégio que o Todo Poderoso.
Não se preocupe, eu disse. Eles vão ficar bem. Seus filhos vão lembrar de você como perfeito em todos os sentidos. Eles não tiveram tempo para ter desprezo por você. Você vai ver sua mulher chorar, aparentemente, mas secretamente está aliviada. Para ser justo, seu casamento estava desmoronando. Se serve de consolo, ela vai se sentir muito culpada por se sentir aliviada. "
"Oh," você disse. "Então o que acontece agora? Devo ir para o céu ou o inferno ou algo assim? "
Nada, disse eu. "Você vai reencarnar.
"Ah", você disse. “Então, os hindus estavam certos",
Todas as religiões estão certas à sua maneira, disse eu. Venha comigo.
Você seguiu junto como se caminhasse através do vazio. "Onde estamos indo?"
Em nenhum lugar em particular, disse. É muito bom andar enquanto a gente conversa.
"Então, qual é o ponto?" Você perguntou. "Quando eu renascer, eu vou ser apenas uma lousa em branco, certo? Um bebê. Assim, todas as minhas experiências e tudo o que fiz nesta vida, não importa. "
Não é bem assim! Eu disse. Você tem dentro de si todos os conhecimentos e experiências de todas suas vidas passadas. Você só não lembra deles agora.
Eu parei de andar, peguei você pelos ombros e disse: sua alma é a coisa mais magnífica, bela e gigantesca que você pode imaginar!. A mente humana pode conter apenas uma pequena fração do que você é. É como colocar o dedo em um copo de água para ver se está quente ou frio. Você coloca uma pequena parte de si mesmo no vaso, e quando você traz de volta, já ganhou todas as experiências que teve.
Você já viveu como um ser humano durante os últimos 48 anos, então você ainda nem esticou e sentiu o resto da sua consciência imensa. Se nós sairmos daqui por um tempo suficiente, você pode começar a lembrar de tudo. Mas não há nenhum lugar para se fazer isso entre uma vida e outra ".
"Quantas vezes eu estive reencarnado, então?"
Oh muitas e muitas. E em muitas vidas diferentes. Eu disse. Desta vez, você vai ser uma camponesa chinesa em 540 depois de Cristo."
"Espere ai!" Você gaguejou. "Você está me mandando para trás no tempo?"
Bem, acho que tecnicamente sim, mas... O tempo, como você sabe, só existe no seu universo. As coisas são diferentes de onde eu vim.
"De onde você veio?". Você disse.
Ah sim, eu expliquei: eu venho de algum lugar... em algum outro lugar. E há outros como eu. Olhe, eu sei que você gostaria de saber como é lá, mas... honestamente, você não entenderia ".
"Oh," você disse, um pouco decepcionado. "Mas espere. Se eu conseguir reencarnar para outros lugares no tempo, eu poderia ter interagido comigo mesmo em algum ponto, não. "
Claro. Acontece o tempo todo. É que você viveu tão consciente apenas a sua própria vida, que nem soube que estava acontecendo aquilo.
"Então, qual é o ponto de tudo isso?"
Sério? Eu perguntei. Sério? Você está me perguntando o sentido da vida? Não acha um pouco estereotipado? "
"Bem, é uma pergunta razoável"
Eu olhei nos seus olhos e disse: O sentido da vida, a razão pela qual eu fiz todo este universo, é para você amadurecer."
"Você quer dizer toda a humanidade? Você quer que a gente amadureça? "
Não. Só você. Eu fiz todo esse universo para você. Com cada nova vida que você cresce e amadurece, torna-se uma inteligência maior e maior.
"Chega! E todos os outros? "
Não há ninguém mais, disse eu. Nesse universo, há apenas você e eu.
Você olhou fixamente para mim. "Mas todas as pessoas na terra ..."
"Tudo o que você vê são encarnações diferentes de você.
"Espere. Eu sou todos!? "
Agora você está entendendo, disse eu, com um tapinha nas costas de aprovação.
"Eu sou cada ser humano que já viveu?"
Ou que ainda vai viver. Sim.
"Eu sou Abraham Lincoln?"
E você é John Wilkes Booth, o assassino dele também, acrescentei.
"Eu sou Hitler?" Você disse, horrorizado.
E você também é os milhões que ele matou.
"Eu sou Jesus?"
E você é a todos que o seguiram.
Você ficou em silêncio.
Toda vez que alguém foi vítima, disse eu, você foi vítima. Todo ato de bondade que você fez, você fez a si mesmo. Todos os momentos felizes e tristes  experimentados por qualquer ser humano foram, ou serão vividos por você.
Você pensou por um longo tempo.
"Porquê?" Você me perguntou. "Por que tudo isso?"
Porque um dia, você se tornará como eu. Porque é isso que você é. Você é um como eu. Você é meu filho
"Uau", você disse, incrédulo. "Quer dizer que eu sou um deus?"
Não. Ainda não. Você é um feto. Você ainda está crescendo. Uma vez que você tiver vivido toda a vida humana em todos os tempos, você terá crescido o suficiente para nascer.
"Então, todo o universo", você disse, "é só ... só..."
Um ovo. Eu respondi. Agora é hora de você ir para sua próxima vida. Tchau.
E mandei você de volta.

Tradução livre adaptada de artigo da organização indiana Oneness - Deeksha fundada por Sri Bhagavan (o significado de Oneness é Unidade, como não podia deixar de ser...)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O medo

Você não admite para os outros, mas está com medo. Anda com medo. Na hora tranqüila da cabeça no travesseiro ele aparece. Faz tempo. O resultado você conhece. É um sentimento meio difuso, estranho, que acompanha o seu sono, os sonhos, os seus passos e aperta o seu coração mesmo sem nenhum perigo imediato. Está tudo bem com você, e num instante ele está lá. É uma das doenças do nosso tempo. Um filho do Kali Yuga que conta com a nossa ajuda, já que estamos sempre dormindo acordados. Ele se transveste de várias formas como agitação, preocupação, ansiedade, nervosismo, tensão, pavor, fobia, etc. e é sempre algo que poderá acontecer, nada no momento. Você, ou melhor, o seu corpo está aqui e agora, e a sua mente está no futuro.  Há um intervalo aí no meio, um espaço. Nele cresce a angústia. Você está identificado com a sua mente e perdeu o contato com a simplicidade e o poder  do Agora.
Essa angústia será sua companhia constante. Sabe o porque? Se ela fosse apenas um fato comum que acontece na vida, você até poderia saber o que fazer mas ela é outra coisa, é apenas uma projeção mental. Não tem jeito lidar com a pré-ocupação, com o futuro. Quando você não está no Agora, quem está por trás do seu mental é o ego. Ele é um ser mimado, vulnerável, medroso e inseguro, mesmo que se finja de forte. Ele só vê ameaça em tudo. Está aí a raiz do medo.
A gente é como uma carruagem, com o dono, o cocheiro, o cavalo e a própria carruagem. Em outras palavras, o Eu verdadeiro, a mente, a emoção e o corpo., Pense bem: se esse “eu falso, o ego” que tomou o lugar do cocheiro da carruagem é medroso, e a emoção é a reação do corpo à mente, que mensagem o corpo está recebendo do ego, o falso eu interior construído pela mente? Perigo, perigo, estamos sendo ameaçados. E qual é a emoção gerada? Medo, é claro.
O medo parece ter muitas causas. Temos medo de perder, falhar, ser feridos, mas todos os medos podem se resumir a um só: o medo que o ego tem da morte. Para o ego, a morte está rondando. Quando estamos identificados com o ego substituindo a mente, o medo da morte afeta cada aspecto da nossa vida, mesmo que a gente conscientemente não se dê conta disso.
Quer um exemplo? Numa discussão corriqueira, porque eu tenho uma necessidade de estar certo e demonstrar que o outro está errado? Se descobrirmos que estamos errados, nosso ego dentro da mente sente que corre um risco de destruição. Então como o ego, você não pode errar. Errar é morrer. Os relacionamentos terminam por isso, as guerras acontecem por isso. Se os nossos líderes estivessem no Agora, não haveria guerras.
Agora imagine que eu consiga não me identificar com o ego na mente. O que acontece? A rigor, não faz a menor diferença para o nosso verdadeiro Eu Interior se eu estou certo ou errado.
Ter sempre razão é uma forma disfarçada de violência, e na hora em que você consegue ficar no Agora ela vai desaparecer.  Dá perfeitamente para a gente dar a nossa opinião tranqüila e calma sobre qualquer assunto sem ser agressivo ou tentar ganhar a qualquer preço. Sem agressividade ou defesa. Se estivermos centrados no instante exato que se levanta o ego na discussão, o sentido do eu interior passa a fluir de um lugar profundo dentro de mim, não mais da minha mente contaminada pelo ego.
Faça sempre a pergunta para você: O que eu estou de fato defendendo? Depois de algumas vezes desse exercício, a gente começa a fluir e ganhar liberdade e espaço. Tente também o seguinte: “vou entrar nessa discussão e perder deliberadamente, mesmo “tendo razão, como sempre” e tentar usufruir do resultado, seja ele qual for”. O resultado vai ser...experimente você mesmo.
Como dizem os mestres ao trazer esse padrão à consciência, ao testemunhá-lo, você deixa de se identificar com ele. À luz da sua consciência, o padrão de inconsciência irá se dissolver rapidamente.
Esse é o fim de todos os argumentos e jogos de poder, tão prejudiciais aos relacionamentos, e sempre nos arrependemos deles depois da disputa. O poder sobre os outros é a fraqueza disfarçada de força. O Tai Chi faz exatamente isso: o bom lutador aguarda o golpe furioso do adversário e aproveitando-se da força dele, sem oposição, mas num gesto redondo de acolhimento o derruba e domina.
Se você se colocar no Agora, vai perceber que o poder de fato é interior, não está fora, não pede aprovação e aplauso, e está à sua disposição. Agora. O remédio está no Agora, pois nele não há futuro, não há preocupação. O único jeito de saber se é verdade, é começar a praticar...